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Trigo Brasil – Balanço Anual 2020: O ano que os produtores ditaram o mercado



Mais um ano vai chegando ao fim e a AF News já realizou a sua análise anual da cadeia produtiva do trigo. O ano de 2020 foi marcado por uma forte escassez de trigo no mercado doméstico em boa parte do ano e com isso, os produtores aproveitaram para valorizar o cereal, levando o preço a uma alta de até 106% em um ano, em plena colheita da safra 2020. A alta do dólar e alta do preço da matéria-prima no mercado externo, fizeram o produto se valorizar ainda mais, tendo sofrido perdas, somente nas últimas semanas do ano

O ano de 2020 vai ficar marcado pela alta histórica nas cotações do trigo e pelos diversos acontecimentos atípicos que balizaram o mercado das commodities agrícolas.

A começar pela quebra da safra de trigo de 2019, que deixou muitos compradores sem estoque de trigo já no começo do ano, buscando diferentes alternativas para solucionar o problema. Os produtores de trigo do Brasil que ainda possuíam o cereal em estoque aproveitaram já neste período, valorizar o produto, que a partir de então, começou uma escalada de preços que só foi freada na reta final de 2020.

Com a disseminação da Covid-19 pelo mundo e o primeiro caso confirmado no Brasil em março, o dólar teve alta repentina e o mercado financeiro quase entrou em colapso. Somente de janeiro a junho, a moeda norte-americana subiu quase 25% na média mensal, e com isso, o trigo também teve valorização que chegou a contabilizar 40% no primeiro semestre.

A intensificação dos problemas enfrentados na cadeia produtiva do trigo no país, foi sinalizada quando os compradores sentiram a necessidade de importar trigo do exterior, especialmente da Argentina, principal fornecedor. Porém, o país vizinho, já no primeiro trimestre havia comercializado 85% da safra 2019/20 e isso impactou na falta de oferta para suprir as necessidades do Brasil.

Com a paridade de importação elevada, e o período de entressafra deixando a situação ainda mais crítica, os moinhos optaram por reduzir a moagem de trigo e realizar o cumprimento somente de contratos fechados, de modo a alongar as atividades e esperar a colheita da safra de trigo 2020/21.

Esse cenário foi observado até meados de setembro, quando a colheita de trigo do Paraná, começou a ser feita. O Estado tinha inicialmente uma produção esperada de 3,67 milhões de toneladas, mas finalizou o ano contando com 3,045 milhões de toneladas colhidas, ainda assim, o volume ficou 43% acima do que foi colhido na safra anterior, cujas perdas haviam sido severas por conta da seca e geadas. Embora este ano as condições climáticas também interferiram na produtividade do trigo paranaense, a qualidade do cereal foi beneficiada pelo clima seco ao final do desenvolvimento da cultura.

No Rio Grande do Sul, a colheita de trigo totalizou até o momento um estimado de 2,260 milhões de tons, com pequeno aumento de 2,4% em relação a safra anterior, porém, o longo período de estiagem, danificou o desenvolvimento do trigo, que teve a sua produtividade corrompida caindo de uma média de 3 mil tons/ha no ano de 2019, para 2,43 mil ton/ha em 2020. Isso refletiu em uma perda de 19% no rendimento. Esse prejuízo só não se refletiu no total produzido de trigo gaúcho, porque a área plantada do cereal no Estado havia sido aumentada em 26,4% este ano, graças aos preços elevados que o trigo vinha registrando no mercado doméstico, atraindo mais produtores.

Com a entrada da safra de trigo no Brasil, principalmente nos dois maiores estados produtores, os compradores esperavam que os preços baixassem, como historicamente acontece no período de colheita, onde a oferta do cereal é maior. Porém, não foi isso que aconteceu, pelo contrário, as cotações passaram a subir ainda mais, já que o trigo do mercado externo também vinha contabilizando consecutivos ganhos lá fora.

O clima seco provocado pelo fenômeno climático La Niña, prejudicou não somente as lavouras de trigo do Brasil, mas também da Argentina. A estiagem também se estendeu nos EUA, Rússia e União Europeia e este cenário só alavancava as cotações ainda mais.

Com o dólar cada vez mais valorizado, chegando a uma média mensal de R$ 5,63 no mês de outubro, a cotação do trigo brasileiro chegou a dobrar de preço na variação anual em certas regiões.

Sem expectativas dos preços diminuírem, os moinhos precisaram repor seus estoques comprando o trigo caro que estava disponível, porém, a indústria se viu em uma situação complicada, já que precisava realizar o repasse desse custo elevado aos derivados e isso não acontecia de forma proporcional.

Deste modo, no final de novembro e entrada de dezembro, os compradores que já haviam reposto os seus acervos, se retiraram do mercado, esperando então, realizar a moagem de boa parte da matéria-prima adquirida, para então retornarem aos negócios.

Essa movimentação de queda na demanda, associada a forte desvalorização do dólar presenciada no último mês do ano com o lançamento da vacina contra a Covid-19, melhorando o humor do mercado, impactou diretamente no preço do trigo que caiu significativamente e de uma forma não esperada.

Portanto, o que se nota neste final de ano, é um mercado um tanto quanto enfraquecido, com os moinhos buscando escoar os derivados de trigo, cuja matéria-prima foi adquirida a um valor elevado, tentando justificar à ponta compradora, que o preço do trigo praticado atualmente, não condiz com o valor pago há poucas semanas atrás e que dessa forma, não há possibilidade de uma redução no preço da farinha de modo tão imediato.

Os produtores brasileiros, vendo que o dólar está em constante queda, buscam se desfazer dos seus estoques remanescentes, cuja comercialização do Paraná já atingiu mais de 80%, justamente para não terem uma depreciação no grão ainda maior.

O cenário para o começo de 2021 é de um mercado cauteloso, analisando diversas situações, para que então se possa tomar uma decisão assertiva em relação a novos negócios, não apenas de compras, como também de vendas, com a abertura de novos clientes.

Vale ressaltar que a queda na produção de trigo na Argentina pode refletir novamente na dificuldade de compra do trigo importado no ano que vem, logo, o mercado precisa estar pronto para agir, sabendo de maneira antecipada das situações que deverá enfrentar.

Cotação do Trigo no Brasil

Durante o ano, o preço do trigo apresentou consecutivos aumentos desde o mês de janeiro. A valorização foi ocorrendo de forma progressiva, tendo o seu ápice no mês de novembro/20. Porém, em dezembro, com a queda do dólar e demanda interna, os indicadores tiveram recuo. Ainda assim, os preços continuam bem superiores ao registrado no ano anterior.

No Paraná, o preço médio mensal do trigo adquirido do produtor saca de 60 kg (FOB) começou o ano valendo R$ 48,85 em jan/20 com acréscimo de 2,75% em relação ao praticado em jan/19. Porém, a máxima no preço do cereal foi atingida em novembro, no momento em que a colheita do trigo era realizada e a oferta estava aquecida. O índice foi ao patamar de R$ 75,80/saca com alta de 64% em relação a nov/19, cuja média mensal era de R$ 46,22/saca. Em dez/19, o cereal recuou para uma média de R$ 69,38/saca, mas ainda assim ficou 45,32% superior ao registrado em igual período do ano anterior.

No Rio Grande do Sul, a valorização começou com pouca expressividade com alta de 0,70% na média mensal de jan/20 comparado ao ano de 2019, o preço registrado era de R$ 40,43/saca. No entanto, as consecutivas valorização mês a mês, fizeram o preço do trigo chegar a R$ 79,49/saca no RS em nov/20, com alta de 106,24% na média comparada com o mês de nov/19, onde o preço médio praticado era de R$ 38,54/saca. Em dez/20 a média finalizou em R$ 71,91/saca com queda ante o mês de novembro, mas com alta de 82,45% diante de igual período do ano anterior.

Com relação a cotação do lote do trigo entregue as cooperativas e cerealistas, o mercado paranaense registrou uma valorização entre 3,9% a 77,8% no decorrer do ano, sendo que a máxima do preço médio da tonelada foi observada em novembro a R$ 1520/ton, com valorização de 77,8% diante dos R$ 855,00/ton que valia no ano anterior.

No Rio Grande do Sul, a maior cotação atingida também ocorreu no mês de novembro a R$ 1420,00/ton média mensal, contra os R$ 725,00/ton que valia em nov/19, uma valorização de 95,9%. A variação positiva no ano ficou entre 4,1% a 95,9%.

A cotação média do dólar abriu janeiro valendo R$ 4,1522 e chegou a média de R$ 5,632 em outubro/20, quando registrou a média mensal máxima do ano, tendo uma valorização acumulada de 35%.

Vale ressaltar que a moeda norte-americana esbarrou nos R$ 6 no período de intensificação da segunda onda da Covid-19 na Europa e EUA em meados de outubro e só freada, na reta final do ano, com a confirmação do lançamento da vacinação contra o coronavírus, primeiramente no Reino Unido. Isso refletiu em uma melhora no cenário do mercado financeiro, assim como na desvalorização do dólar ante ao real.

Por conta dessa grande volatilidade do dólar, a paridade de importação do trigo se mostrou bem elevada durante boa parte do ano. Inclusive a cotação do trigo brasileiro chegou a ficar mais cara do que a importação do trigo vindo de fora (exceto EUA), por conta da retirada da TEC (tarifa externa comum), de uma quantidade extra de 450 mil tons que foi conferida pelo Governo no período de entressafra.

Somente no final do ano, é que os indicadores estiveram mais alinhados uns países com os outros, mas ainda assim, há uma forte elevação nos índices em seu comparativo com o ano passado.

Produção de Trigo no Brasil, Estoque Final e Importação de Trigo

De acordo com o 3º levantamento de safra da Conab, divulgado no último dia 10 de dezembro, a produção de trigo brasileiro em 2020 deve ficar em 6,183 milhões de toneladas.

O Paraná deve contribuir com 3,045 milhões de toneladas, acréscimo de 43% em relação ao ano anterior e o Rio Grande do Sul, deverá agregar 2,260 milhões de tons, com aumento de 2,4% diante da produção de 2019.

Esse total de mais de 6 milhões de toneladas, representa um aumento de 20% na produção em relação ao que foi colhido na safra 2019, quando o país produziu somente 5,154 milhões de tons, resultando em um dos menores estoques dos últimos anos, com somente 227,4 mil toneladas.

Com o resultado obtido na safra 2020, porém, o Brasil deverá necessitar de 6,8 milhões de toneladas do trigo vindo da exportação, totalizando 13,210 milhões de toneladas de suprimento.

O consumo deste ciclo está previsto em 11,798 milhões de toneladas, sendo que para a exportação ainda estão destinados 700,00 mil tons. Isso deve resultar em um estoque final de 711,7 mil tons.

Já perante o último relatório de oferta e demanda do USDA, em sua versão de dezembro, asafra brasileira de trigo deve totalizar 6,30 milhões de toneladas em 2020, tendo um consumo total de 12,20 milhões de tons e uma necessidade de importação de 6,70 milhões de tons de trigo. O resultado é um estoque final de 1,14 milhão de toneladas.

Essa distorção nos volumes entre USDA e CONAB, é ocasionada pela grande variação dos estoques iniciais dos órgãos. A Conab utilizou um estoque inicial partindo dos 227,4 mil tons (mais dentro da realidade brasileira), enquanto que o USDA estimou um estoque inicial de 940,0 mil tons.

Importação de Trigo ao Brasil Jan-Nov 2020

De janeiro a novembro de 2020, o Brasil importou 5,875 milhões de toneladas de trigo, uma queda de somente 0,83% diante dos 5,924 milhões importados em igual período do ano anterior.

A Argentina liderou as importações, tendo contribuído com 4,331 milhões de toneladas, ou 73,72% do total adquirido do mercado externo. O resultado ficou 9,81% inferior ao ano de 2019 e muito se deve ao fato de que neste último ciclo o país vizinho havia aberto novos destinos para escoar a sua produção e não depender tanto do Brasil.

O mês de abril/20 foi o que mais recebeu cereal vindo de fora, sendo que só a Argentina enviou 704,96 mil tons ao país.

Os EUA foi o segundo país que mais destinou trigo aos portos brasileiros, tendo movimentado 733,84 mil tons em 2020.

Já a Rússia, foi o país que mais obteve aumento nas importações do Brasil, correspondendo a um crescimento de 159% em um ano. O total de trigo russo importado ficou em 91,733 mil tons.

A movimentação financeira entre jan-nov/20 ficou em US$ 1,275 bilhão, contra os US$ 1,490 bilhão contabilizados em igual período de 2019. Mas vale lembrar na moeda local, esse valor representou um valor financeiro significativamente maior, em virtude da alta do dólar ante o real.

Panorama dos próximos meses

O que se pode concluir é que mesmo com uma produção maior de trigo doméstico na safra de 2020, o Brasil pouco mudou o volume sobre a necessidade do trigo importado. Ou seja, o país permanece dependente especialmente do cereal argentino, que terá seu volume de trigo exportável reduzido nos próximos meses, em virtude da quebra da safra.

Deste modo, a melhor alternativa que os compradores de trigo possuem desde já, é seguir estudando o mercado, atento aos movimentos, buscando a melhor oportunidade de negócio, de modo que possa manter uma margem saudável na execução de suas atividades.

O recado que fica do ano de 2020, é que os fatores externos são muito predominantes no mercado brasileiro, não somente das commodities, como também o mercado financeiro de modo geral e isso reflete desde a cotação, até a demanda pelo consumidor, resultando em uma situação catastrófica para alguns, ou valiosa para outros.

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